A lógica histórica do fascismo e o perigo do bolsonarismo (a forma atual do neofascismo brasileiro) no juízo do povo trabalhador:
Imaginem que Hitler tivesse saído do poder em 1937. Talvez muita gente convicta que aquilo era bom não tivesse provas suficientes de como aquilo era ruim. Para o fascista convicto, o problema foi a derrota, não a guerra e o genocídio. Mas talvez não seja assim para o fascista comum: certamente muita gente que apoiou o fascismo por outras razões e desdenhou de seus perigos se arrependeu depois de 1942-1945.
É mais ou menos esse o caso do bolsonarismo: se ele realizar as maldades comuns que são inevitáveis no fascismo (o genocídio é um deles), será tarde demais para se arrepender. Se ele não conseguir por derrotas políticas e eleitorais, vai ter sempre aquele povo que ainda duvida de que o fascismo bolsonarista é mal.
É triste, mas não há outra forma de julgar o caso: é compreensível ricos e a classe média alta perversos apoiando o bolsonarismo, pois a condição de submissão que ele impõe ao povo de baixo lhes será economicamente benéfica, além de colocá-los em um pedestal social. Mas para os trabalhadores comuns (aqueles de renda até 5-6 salários por família), não faz sentido apoiar o bolsonarismo. Mas por ideologias abstratas que motivam a imaginação arcaica e mitológica (os delírios das igrejas e de uma ideia ingênua e vazia de “nação”), parte do povo menos privilegiado apoia o fascismo bolsonarista. Isso é preocupante especialmente para os não-brancos, uma vez que o bolsonarismo não só é anti-negros (isso já faz parte da tradição colonial e mesmo da positivista no Brasil), mas também tem vínculos (via Eduardo Bolsonaro, em especial) com grupos norte-americanos que defendem a supremacia racial branca (o que é a forma mais extremada de racismo, aquela mesma do nazismo e da Ku Klux Klan).
Porém, o fascismo não consegue se manter no poder sem apoio popular. É por isto que Bolsonaro, sempre contra programas de transferência de renda (como o bolsa família) até se tornar presidente, passa a se apegar ao auxílio Brasil e defendê-lo. Por conta do interesse de reeleger Bolsonaro, até aquela tia pequeno burguesa cheia de plástica com camisa amarela passa a defender o auxílio Brasil. Por que será que gente abertamente contra os direitos da população menos privilegiada passa agora a apoiar programas populares do governo? Certamente não é pela motivação de tornar a vida do brasileiro comum melhor.
A diferença entre o fascismo e o mero neoliberalismo é que o primeiro garante estruturas heirárquicas e desiguais de maneira mais segura. Primeiro, mitigando os mecanismos de mobilidade social por mérito (que no neoliberalismo pode ser mais ou menos limitada, muitas vezes com lugares dignos para poucos e com condições de competição desiguais, mas existente e operante como um de seus princípios). Assim, o fascismo se aproxima do tradicionalismo oligarca e da ideia de castas (há os nobres, sangue azul bem nascidos, que devem ter por natureza posição privilegiada – e por isso uma dinâmica de mercado que favoreça proprietários de terra, grandes proprietários de imóveis e grandes acionistas da Petrobras – e há o povo comum, de sangue vermelho, que deve obedecer e trabalhar. Essa última casta terá indivíduos com pequenos privilégios por apoio fanático ao governo. Já os dissidentes, sofrerão as consequências da violência, da repressão e, a depender da sua etnia e do momento histórico, do genocídio.)
O segundo ponto é o militarismo. A sociedade fascista substitui a diversidade cultural e individual pela noção de pertencimento em massa aos grupos dominantes e pela idolatria aos grandes líderes. Apenas os líderes são indivíduos, os outros são massa, réplica de modelos. A criatividade, experimentação, inteligência, discussão pública e divulgação científica são atividades e valores substituídos pela disciplina padronizada, pela obediência e pela capacidade de submissão e pertencimento aos grupos de massas (igrejas, nação, unidades militares ou policiais). Apenas a elite e grupos especiais fazem ciência e tomam decisões. O conhecimento produzido não é geralmente divulgado, sendo a publicidade científica substituída por mentiras ideológicas importantes para o controle social. Os mecanismos militares são usados para repressão do próprio povo, e pertencer ao exército ou à polícia se torna um privilégio acessível ao trabalhador apoiador do regime: salários mais altos e o direito de agredir em vez de ser agredido.
O terceiro ponto é a maneira de agradar e ludibriar o povo. Como o fascismo não consegue se manter sem apoio popular, e sendo esta capacidade de obter apoio popular a razão para receber apoio da elite, ele precisa de estratégias para beneficiar o povo. Certamente não será prejudicando a elite, muito embora, em momentos críticos, possa distribuir alguns benefícios retirados da elite a fim de manter o controle social. O primeiro passo para o fascismo é separar o povo de dentro do povo: como essa distinção não funciona se for feita economicamente (uma vez que a maior parte do povo é formada pela classe trabalhadora mal remunerada), ela é feita por vias étnicas ou de pertencimento ideológico. Assim, se separam as maiorias das minorias (“a minoria vai se submeter à maioria”). Os espectros que se busca apoio são classificados com conceitos mais genéricos, enquanto o grupo a ser determinado como minoria (e, depois, como inimigo) terá rótulos mais específicos. Assim se contrasta o “cidadão de bem” com o “bandido”, o “brasileiro” com o “esquerdista”. Com isto, se pode criar mecanismos de privilégios para uma maioria que pode vir a apoiar o governo às custas do prejuízo dos dissidentes ou eleitos como aqueles que devem pagar a conta.
Aí começa o genocídio.
Primeiro, o fascismo precisa canibalizar o próprio corpo da sociedade em que surge, fagocitando partes eleitas estranhas, perseguindo os mais fracos (minorias). Assim, persegue-se os indígenas, para poder dar o que eles têm para exploração, de um lado, da elite (mineração, pecuária e monocultura em reservas indígenas), e pegar uma sobra para distribuir ao povo não indígena. Assim, o povo “maioria” se satisfaz engolindo as riquezas e direitos negados ao povo minoria. Quando a fonte seca, novos inimigos precisam ser encontrados: primeiro, a expropriação de dissidentes – “esquerdistas”, membros de religiões não cristãs (que vão pagar para os cristãos); depois a distinção precisa ser feita dentro do próprio grupo – católicos, embora ainda maioria, estão em decadência, além de se mobilizarem politicamente menos do que os evangélicos, especialmente os neopentecostais. O resultado pode ser a perseguição de católicos e a expropriação de seus bens, para distribuição entre os evangélicos. Com o terror, a proporção de evangélicos aumenta, e a relação entre grupos evangélicos e apoio ao governo se fortalece. Depois a perseguição de um grupo evangélico a outros, até que a nação seja unida em uma religião única, formando a identidade final entre igreja, nação, etnia e o grupo fascista governante, representados pela imagem do líder. A mesma lógica vale para etnia: primeiro os indígenas, depois os negros, depois os pardos, de acordo com a necessidade de obter apoio da maioria.
Quando não há mais “minorias” destacadas da maioria para expropriar e explorar, o fascismo precisa de novos povos e novas terras, sob pena de não conseguir manter o controle do povo para o governo da elite.
Então começa a guerra.
Esse é um resumo (com ilustrações meramente contingentes – onde se coloca evangélicos pode vir a ser católicos, não há como prever, mas o contexto atual aponta para algo mais próximo do que descrevi acima) do que creio ser o desenvolvimento lógico-histórico do fascismo. Suas etapas são a militarização, a perseguição de minorias eleitas, o genocídio, e a guerra.
A conclusão final é o suicídio coletivo,
pois uma hora a elite defendida e instrumentalizadora do fascismo não terá mais de onde expropriar, e então o povo fascista precisará cortar da própria carne, até a automutilação completa. E, quando esse dia chegar, a elite morrerá de inanição.
Por esta feita, a lógica do fascismo é reacionária, regressiva e anacrônica.