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Duas falácias: o ad hominem e a frase “é socialista mas tem um iPhone”

outubro 26, 2013

Duas coisinhas básicas antes de desqualificar seu adversário em um debate:
(1) – Quando você desqualifica o seu adversário por quem ele é ou pelo o que ele faz, você não está refutando seus argumentos. Isto é uma falácia muito comum chamada “ad hominem”. Então, você pode obter sucesso assim em acabar com a reputação de uma pessoa, mas se o seu argumento for válido e montado sobre premissas plausíveis, o argumento dele continua sendo melhor que o seu (que nem é um argumento).
(2) – Um exemplo de ad hominem clássico no Brasil em debates políticos, decorrentes de ignorância sobre temas políticos: alguém com conhecimento mínimo de política e sociologia elabora uma crítica, e um conservador se sente ofendido e, ao invés de analisar as informações e o argumento, resolve partir para o ad hominem. Como a crítica é social, logo é classificada como “socialista” (mesmo quando não é), e por ser “socialista”, surge o ad hominem de que a pessoa que elaborou o argumento não tem autoridade sobre o assunto porque ela é “socialista e usa iPhone”. Isto, além da falácia, designa obviamente uma ignorância política porque confunde socialismo com anti-tecnologia: a linha atualmente mais influente do socialismo é a marxista, e o que ela visa é a superação do capitalismo (ou seja, o pós-capitalismo, e não um retorno a uma condição pré-capitalista ou feudal), através da apropriação do maior número de pessoas dos meios de produção (que inicialmente, por serem caros e escassos, ficam nas mãos de poucos). Portanto, quanto mais tecnologia, melhor, e quanto maior o acesso a ela, melhor, pois maior autonomia as pessoas terão para utilizá-las para produzir, seja bens físicos, informacionais ou virtuais. E neste sentido, o iPhone e tecnologias afins, enquanto tecnologia, colaboram para a disseminação da produção autônoma de conteúdo informacional e virtual. Ao fim, ainda poderia se dizer que é sabido que a Apple e outras grandes corporações se aproveitam de trabalho escravo terceirizado (com consentimento) em mineradoras da África e da América do Sul para obter matéria prima barata e que se utiliza de mão de obra em países que não garantem direitos trabalhistas, como alguns países asiáticos, de maneira que os trabalhadores que montam os produtos recebem mal e trabalham muitas horas. Este último seria um bom argumento para sustentar que uma pessoa que defende o socialismo estaria em contradição ao comprar um produto produzido por via da exploração do trabalho. Mas um liberal também teria este mesmo problema, visto que a teoria clássica do liberalismo preza pelo direito de cada indivíduo de colher os frutos do seu trabalho (pense aqui no trabalhador) e o direito à dignidade humana (teoricamente aqui penso em Locke e Kant, respectivamente). Ainda mais, um socialista sabe que vive num mundo que não é de acordo com a sua utopia, quer lutar para transformá-lo, mas isso não deve exigir dele que não consuma ou não viva dentro do modelo social e econômico no qual está envolvido – ao menos enquanto outra alternativa não existir. Consequentemente, na falta de opção por produtos acessíveis que sejam produzidos com trabalho digno e (de preferência) com a devida distribuição dos riquezas geradas pelos trabalhadores aos próprios trabalhadores, que consumamos o menos pior até que o sistema mude.