Quem é “o mercado”? De quem é a “crise”?

Ninguém o vê ou o ouve. Mas o mercado vê tudo. É omnisciente e omnipotente. Como um deus, ele é louvado, agradado, adorado e temido. Façam a dança da chuva para o Mercado. O Mercado não está reagindo bem aos impactos do balanço fiscal federal de 1993. Às medidas de cautelização previdenciária do fundo de derivados da Islândia. Precisamos cortar os gastos. Cortem os pulsos. Derramem sangue. O sacríficio é para o bem. A oferenda também sabe que é para seu próprio bem. É para o bem de todos. Primeiro corte o pescoço, ali jorra mais sangue. Não pense em crise, trabalhe. Até os 79 anos.

Os noticiários de jornal divulgam a ideia. Todos os comentaristas conhecem a “vontade” do mercado. Façamos o que o mercado quer. Está na Bíblia. Mas quem, afinal de contas, é o mercado? O mercado nada mais é do que um fantasma entificado por meio de discurso ideológico. Desfetichizado, ele é somente relações humanas de produção e troca, por mais abstratas que possam ser no nível da financeirização e do cassino especulativo. Qual critério usar para dizer o que é bom para o mercado? Como “o mercado” reage? A resposta deveria ser bem mais simples: o que é bom para as pessoas?

Com esta fetichização do monismo do mercado, o que se instaura é uma visão que supostamente divulga uma realidade totalitária por números e estatísticas. A “economia cresceu”. A economia “está em crise”. Mas quando cresce, cresce com o que e para quem? O quanto um “crescimento” simboliza um enriquecimento real das pessoas? De quais pessoas? Quando o “mercado aquece” (hot and sexy market!) o que o excita pode ser simplesmente produção supérflua. Do que adianta o “mercado crescer”, se boa parte da fatia deste bolo vai para poucos bolsos? Ainda quando se tem uma aparente distribuição de riqueza, a longo prazo são os mesmos que acumulam. E quando a “crise” aparece, os endividados pela sobrevivência é que “quebram”.

E quando o estado não pode pagar sua dívida, a empresa privada, que não tem nada com isso, fica com medo que o “mercado” não seja favorável. Mesmo que ninguém saiba direito o porquê.

Não é hora de parar de enganar com o discurso político, midiático e hipócrita de que “dados econômicos” financeiros mostram toda a realidade, ou que eles são eticamente confiáveis para mostrar o caminho?

Da produção, o que garante às pessoas realmente uma vida boa? O que realmente satisfaz suas necessidades? Deste trabalho diário, o que é realmente necessário? O que é útil? Útil para quem?

Por fim, se todos trabalham, e passam boa parte das vidas trabalhando e se preparando para o trabalho, e fazendo coisas de graça pela oportunidade de um dia ter um trabalho, por que existe “crise”? Se trabalho gera riqueza, e todos trabalham, não pode ser verdade que não há riqueza. Ou esse trabalho não gera riqueza. Onde está a riqueza? Ou: por que se trabalha, se o trabalho não  fornece a riqueza que se precisa? (Menos ingênuo: para quem se trabalha? Quem criou a “crise”?). Se não se trabalha e se pode e se quer trabalhar, por que não há espaço para o trabalho? (Menos ingênuo: a quem pertence o espaço do trabalho? Quantas crises ele tem?)

Débitos e créditos sobre coisas que não existem. Mas que um dia virão a existir. Até que se descubra que não existem mais. Nunca existiram. Bolhas. Borbulham promessas não cumpridas. Sobre coisas que não existem. O mercado não vai receber a sua parcela da dívida. Porque o mercado decidiu que você não vai mais ter emprego. E seu trabalho não poderá ser trabalhado. Você não pode mais trabalhar – você não tem mais como nem onde. A bolha comeu o seu trabalho e está braba que você não devolveu o que você sempre deu a ela como se não fosse seu.

Carnes sólidas se escondem em máscaras que lhes abstraem a realidade, para ocultar o que é cruel. Sob a manta do “mercado”.

Extirpar todos os recursos naturais de forma não renovável. Transformar aquele espaço onde se poderia respirar e beber água de graça em um “mercado” onde se trabalha para comprar água e oxigênio. Até que acabe. Pelo bem da economia.

 

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